quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Fight or Flight

Acordei as 16:27 e já não ouvia a música a tocar...de certeza que o computador teve mais um Blue Screen enquanto dormia...
Levantei-me e voltei a pôr aquele som electrónico maluco que me relaxa tão bem.

- Que raio de sensação, dormir dá-me fome. Sempre que acordo tenho sono, seja depois de dormir 1 ou 10 horas.

- Vamos lá ver o que há para o lanche.

Depois desta curta conversa comigo mesmo dirijo-me à cozinha, abro o armário e descubro que me acabou o café.

- Argh!! O meu cafééééé!!! Como é suposto um gajo como Eu, O Gajo, lanchar sem uma chávena de café?!

Após uns segundos de luta dentro da minha cabeça decido-me a ir ao Mercado Rapidinha, que é o mercado mais perto com um café decente.
Volto ao meu quarto, pego na minha jaqueta, dou uns últimos toques no cabelo rapado e aí vou eu.

Tinham ainda só passado 4 músicas desde que saí de casa e vi logo algo que me roubou a atenção. Qual é o meu espanto que ao começar a olhar a minha visão periférica, reparo que às três horas* está a haver uma discussão, e com uma grande lata, olho directamente para a situação.

Fico chocado ao ver um jovem mais ou menos da minha idade, com umas calças com o triplo da largura das pernas dele dentro do que se pode chamar calçado. O moçoilo tinha ainda um casaco camuflado em tons rosáceos que era capaz de servir ao meu armário lá de casa, uma bolsa de cintura branca, de pele ou napa, à volta do pescoço, um boné num tom rosa mal posto em cima de uma touca azul bebé e por baixo estava em tronco nú.

Fico pasmado a olhar para tal, porque só podia ser uma de duas coisas, ou um emigrante francês, ou um cocó **.

O mal-educado estava ali a gritar para uma rapariga, e quando vejo que ela estava a chorar, aproximo-me para perceber o que se passava.

- (...) que tu queres dama? Pensas que eu não sei o que tu fizeste? É pensas que o Charles Tó é burro?

- Sniff.
Não, Tó. Eu ia só estudar com eles...

- Não m'atires areia p'ós olhos ó dama do caralho, eu 'tou a ver a tua cena toda, 'tázaver?

Nisto, o cocó pousa o saco que levava e diz:

- Sabes dama. Podes ser uma dama, dama. Mas p'ra mim a levar na cara é como se fosses um damo, 'tazaver ó dama?

Ao ouvir isto aproximo-me uns metros, os suficientes para ver que o cocó tinha 3 piercings, e pergunto em voz alta:

- Ó rapazola de boné salmão, passa-se alguma coisa?

- Sóce, não te metas onde és chamado, sóce...

- Presumo que quisesses dizer onde não fosse chamado - disse, com a suprema ironia.

- Sóce, estás a brincar comigo, sóce, é, sóce? Queres-te meter mesmo onde não és chamado? Vê lá se acabas masé quêmado - disse o cocó em tom de rima.

- Claro que sim, eu sou sempre chamado quando um homem levanta a mão a uma senhora. E pára de me chamar essa coisa que tu me chamas.

- O que sóce? Sóce? 'Opa sóce, eu sou capaz de cenas...eu FAÇO-TE CENAS E TE VAIS ARREPENDER SÓCE!!1!!ONE! - disse o cocó, dando uns pulinhos e gesticulando estranhamente com os braços quando disse estas últimas palavras.

- Ei, não precisas de revirar os olhos... - e ao dizer isto olho para o céu e vejo um lindo abutre. Eles costumam aparecer nesta época do ano.

- Viste o pássaro, sóce? Veio buscar os teus restos. - e depois riu-se de forma louca e bizarra, continuando, como quem canta hip-hop - Vou-te calar, sóce. Não vai saber-se o que se passou contigo quando eu acabar de te bater. Vais sofrer, nem me vais conseguir ver, a aproximar. Vai-te doer quando eu te socar, cabeçear e até pontapear. Vais gritar!

- Se me vais bater só com o hip-hop não preciso de ir para o hospital. Vá, deixo-te mandar-me o teu melhor soco. Dá com toda a força porque depois é a minha vez, gosto de usar a força apenas em legítima defesa.

Ainda antes de eu acabar de falar já vinha ele a correr, ainda ouço alguém a dizer do outro lado da rua: "Lá vai ele, furioso!". Ainda demorou a cruzar os cerca de 15 metros que nos separavam. Nos últimos cinco ele já estava de braço direito levantado, o que me deu tempo mais do que suficiente para prever o que iria acontecer.

POF!!
POK POK!!!
- Ughhh, ughhh
VUUUUUSSSSSCHHHHH!
SPLOCK!!!
- AAAAARGGGGGGGGHH!!!!!!!!!!!! ARGGGGHHHHHHHHH!!!!!!

Ao chegar a mim desferiu um soco violentíssimo, com uma força extrema, ao mesmo tempo que saltou para tentar aumentar o efeito surpresa. No entanto, não imprimiu a velocidade suficiente para enganar os meus reflexos, ao que facilmente levantei o braço esquerdo e o bloqueei, fazendo o som POF.

Ainda com ele no ar, tive tempo para lhe atingir no esterno com a margem cubital da mão, ouvindo-se o primeiro POK.

Em décimos de centésimos de segundos vejo a cara surpresa dele a olhar para mim, com os olhos esbugalhados como quem diz: mas que trovão está a acontecer aqui? Nem consigo reagir à valente sova que estou a levar e que ainda vai a meio!

Tenho a certeza que ele não conseguiu começar a pensar tudo isto antes do meu segundo ataque, uma terrível cotovelada que saiu paralela ao meu tronco embatendo-lhe, mais uma vez, no esterno, com um ruidoso POK, levantando-o ainda mais no ar.

Quando a gravidade começou a tomar posse do corpo dele, varri-lhe as pernas com um pontapé de esquerda, sem alusões à política, utilizando 1/10 da força da minha anca.

Foi tudo muito rápido...mas o cocó ali estava, no chão, quedado de lado com a orelha a sangrar. De certeza que algum dos demais piercings dele lhe saiu com o vento que as minhas técnicas, ensinadas com a sabedoria do mestre Shigusi e aprendidas com o meu suor, provocaram.

A jovem acorreu para o cocó. É incrível como realmente há pessoas masoquistas, que gostam da dor física, psicológica, e de ser sodomizadas à bruta no chuveiro.

- Tó, tu estás bem? - perguntou, com as lágrimas a escorrerem-lhe da face desde há bocado.

Foi agora que olhei para a rapariga bem o suficiente para ver o quão bela era. Tinha aqueles cabelos pretos encaracolados, enterrados numa cabeça morena de olhos verdes, como duas esmeraldas. Os seus lábios eram de um carmim bem vivo, impossível de explicar o quão apetitosos. A sua túnica estilo tenista de algodão, ou acrílico, realçava-lhe as formas...evidenciando dois belos seios que pareciam umas buzinas.

A forma como ela estava curvada sobre o seu pobre e partido "Tó" fez-me parecer alguma imagem que eu tinha visto antes, mas que não me lembro qual.

Poucos segundos depois, ela levanta-se e começa a caminhar na minha direcção. Agarra o meu pescoço e dá-me um grande beijo...sabia a morango...
Sem eu estar à espera dá-me um grande estalo, fazendo-me virar a cabeça a 90 graus.
No momento em que voltei a olhar para ela só vi vazio...

- WTF? Gajo, tu sabes que não estás a dormir, isto aconteceu mesmo...

Depois de me mentalizar da veracidade dos factos passaram há momentos, ponho o meu sorriso sensual e recomeço a caminhada até ao Rapidinha.


* Três Horas - não no sentido das horas, mas como um meio de orientação. i.e. meio-dia é à frente, uma hora e meia são 45 graus à direita.

** Cocó - sinónimo do guna de uso corrente, mas diferente do que aparece aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guna

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A Filosofia do Parkour

Vejo o teste nas minhas mãos e quase que dou um grito histérico pela facilidade extra-fácil que aquele pedaço de papel provocava em mim. Finalizei-o em meros centésimos de segundos e fiquei a olhar para os meus colegas enquanto eles liam lentamente as perguntas. Tive quase uma vontade impressionante de lhes solucionar os testes, mas contive-me. Não consigo explicar porquê, mas senti que não podia nem devia desperdiçar as minhas novas capacidades cognitivas.

Olhei para a janela em breves instâncias de aborrecimento e qual não é o meu espanto quando vejo o jovem Rökiloy a tentar trepar muros e a fazer acrobacias que no meu entender, apenas podia qualificar como maradas. Achei curiosa toda aquela simulação de macaco e decidi então ir ter com ele.

- Professora! - exclamei eu - Acabei o teste. Posso ir lá fora brincar com o meu amigo?

- Ah ah. Que engraçado. Até parece que já acabaste... ainda nem tiveste tempo de começar!

- Já está acabado sim, e sinceramente achei-o muito fácil...

- INSOLENTE! COMO TE ATREVES A MENOSPREZAR O MEU TRABALHO?

- Eu não estava a menosprezar o seu trabalho. Apenas acho que até o meu avô era capaz de solucionar estas questões. E ele morreu há duas semanas.

- FILHO DE UMA GRANDE PUTA! QUERES IR TER COM O TEU AMIGO? ENTÃO VAI! VAI E NÃO ME CHATEIES! ESTÁS A PERTURBAR A AULA, SEU NABO! HÁ PESSOAS AQUI QUE QUEREM FAZER UM TESTE! QUERO SILÊNCIO ABSOLUTO! ABSOLUTO, PERCEBES?

Nisto, levantei-me, deixei o papel na secretária, e fitando a professora furiosamente nos olhos, entrego-lhe um sorriso perto da perfeição.

Rökiloy estava especialmente espirituoso nos seus jogos. Decido dialogar com ele.

- Röki, amigalhaço. Que malabarismos corporais são esses que empregas no estático cimento?

- Hey! É Parkour, meu! A técnica de dominar o chão e as cenas à volta!

- Hum. Sinceramente estive a observar-te há bocado e sinto que te falta técnica nos teus saltos. Por outras palavras- penteei sensualmente o cabelo e acrescentei -Falta fogo ao teu artifício.

- E que devo fazer quanto a isso?

- Fácil! Deves desenvolver a Filosofia do Parkour! E eu vou ajudar-te!

- Mas tu não percebes nada disto!

- Enganaste. Eu percebo tudo... de tudo!

E assim, ouvindo no meu mp3 a fabulosa composição Of Skulls And Graveyard Fucking Part III
e elaborando uma dança danada, comecei a recitar os princípios obrigatórios do Parkour, as directrizes absolutas para uma revolução eficaz.

1: Não saltes apenas, torna-te no salto!
2: Arrisca!
3: Trepa as paredes, não tenhas medo de trepar!
4: Sobe até ao infinito!
5: Nem que partas os dentes!

Depois de estabelecer essas belas linhas de sabedoria, entreguei a Rökiloy um manuscrito de 700 páginas que redigi em 3 minutos sobre a Filosofia e a Psicologia do Parkour, que continha todas as regras absolutas para um Parkour com esplendor, dinâmico e explosivo.

Durante meses, recitei partes do livro aos meus amigos que sorriam satisfeitos perante o meu conhecimento de uma arte ainda tão inexperiente na nossa cultura.

Fui para o café, misturar-me com a plebe. Sim, porque embora agora eu fosse extremamente inteligente, era inegável o gosto exremo que ainda mantinha por coca-cola fresca.

Alvorada Precoce

A meio do meu sono sou despertado por um macaco azul de costas, EI!, esperem lá, um MACACO AZUL?

- Vejo que já acordaste - disse o macaco azul virando-se de frente, revelando-se afinal ser um velhote com cabelo azul até aos pés - Agora posso-me apresentar. Sou o Deus das Artes Intelectuais, e estou aqui para te recompensar.

- Mas espera lá - disse eu ensonado - a intelectualidade é uma arte? E vais-me recompensar pelo quê?

- Não questiones o que não queres saber. Mas eu posso-te responder na mesma... - disse, fazendo uma pausa.

- E então...? - interrompendo o silêncio que já durava há segundos, mais precisamente dois.

- Foste testado, e passaste nesse mesmo teste.

- Fui testado? - disse eu num misto de dúvida e relutância.

- Sim, não foi o que acabei de te dizer? - disse a personagem divina com alguma impaciência - Mesmo depois de teres tido a tua casa revirada e o teu gato inconsciente foste capaz de estudar para o teu exame, sem dizer um 'ai'.

- Foste tu? Mas não tinhas o cabelo tão grande! - disse eu, como se estivesse a fazer uma grande observação.

- Não é óbvio? Seres divinos têm o perfeito domínio da transformação, são capazes de se tornar na cópia perfeita da outra pessoa, coisa que só alguns dos melhores ninjas do mundo conseguem.

- E eu algum dia vou conseguir ser como eles? - perguntei, sabendo das minhas limitações intelectuais.

- Depois da tua recompensa vais ser capaz de fazer quase tudo o que quiseres. Vou-te aumentar e muito as tuas capacidades intelectuais, e vais deixar de ser um mentecapto.

- Fabuloso! - gritei, ao mesmo tempo que saltei do amontoado de roupa onde estava a dormir.

- Amanhã não te vais lembrar de nada, portanto não esperes voltar a ver-me.

Dito isto ouvi-se um ZAAAAAAAAAAAP seguido de um flash luminoso, e não sei o que aconteceu depois porque já estava a dormir.

Nota do autor: No dia seguinte o Narrador não se lembrava de nada, portanto ele não era capaz de dizer esta mesma linha.

Ao acordar espreguiço-me com a sensação que estou preparadíssimo para o teste, embora não tenha estudado quase nada...
É de facto uma sensação estranha, mas deveras agradável. Pego na chávena, que estava no chão desde o trágico incidente em minha casa, e ponho duas colheres de café purinho, porque o Mokambo e os seus 20% de café não acordam ninguém. Enchi a chávena com leite, mexi, e bebi tudo num só trago.

- Ena, já estou atrasado, tenho que me pôr na escola rápido senão já não faço o exame. Nem tomei banho nem nada...que porco.

Ao acabar de dizer isto já tinha fechado a porta de casa e estava a montar a bicicleta.
Foram 3 minutos até chegar à escola, e quando subi os dois andares para entrar na sala, fiquei surpreso por não estar lá ninguém. Foi ness preciso momento que recebi uma sms dO Gajo, a dizer que a sala foi mudada.

- Ainda bem que O Gajo pensa sempre em mim, ele é o maior.

Corri para a sala, entrei e sentei-me, esperando com nervosismo o famigerado exame.
As portas fecharam-se, fez-se o silêncio, e a professora olhou-nos com um sorriso diabólico, ao mesmo tempo que pegou na resma de testes e os começou a distribuir.